As perturbações antropogênicas em ambientes naturais estão levando a diversas alterações na ecologia global das doenças, com ênfase para aquelas de origem viral. O estudo dos vírus que ocorrem na fauna selvagem é de suma importância, pois diversas doenças de interesse para a saúde pública são de origem zoonótica, sendo os primatas reservatórios de uma gama desses vírus. Com o advento de novas tecnologias, como o sequenciamento massivo (HTS – do inglês high throughput sequencing), os viromas de diversas espécies de animais selvagens estão sendo caracterizados, entretanto, ainda são escassos os trabalhos neste contexto de primatas selvagens brasileiros. O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), primata Criticamente Ameaçado e endêmico do Amazonas, possui populações inseridas em uma área com crescente urbanização e intensa fragmentação florestal, além de habitar áreas sobrepostas com outras espécies de primatas, como o mico-de-cheiro (Saimiri sciureus). Diante disto, é importante conhecer a composição da microbiota viral desses animais, como uma estratégia de vigilância precoce importante no contexto da saúde única e da conservação das espécies. Os objetivos deste trabalho foram: (a) Investigar o viroma fecal de Saguinus bicolor de fragmentos florestais de Manaus; (b) Comparar a riqueza e diversidade do viroma de um grupo de Saguinus bicolor e de um grupo de Saimiri sciureus, inseridos no mesmo fragmento florestal. Realizada a coleta de conteúdo fecal de nove grupos de sauins-de-coleira de vida livre de fragmentos de Manaus, as amostras de cada grupo foram reunidas para compor um pool, seguido pelo sequenciamento massivo e utilização de dois métodos de bioinformática (BLASTx e Kraken) para a caracterização do viroma a nível de famílias virais, com ênfase em vírus de importância para mamíferos. Os dados gerados pelo Kraken foram utilizados para normalização. Os métodos de bioinformática apresentaram grande divergência, sendo o Kraken a ferramenta que identificou em nível de famílias virais a maior diversidade de vírus, inclusive daqueles de importância para mamíferos (29 famílias dos dados brutos), enquanto o BLASTx identificou apenas cinco famílias. Os dados gerados pelo Kraken mostraram que muitas das comunidades virais foram distintas entre os grupos, sugerindo que a composição do viroma desses animais pode estar relacionada com diversas variáveis, desde individuais até ambientais. No capítulo seguinte, foi feita a coleta de esfregaços retais e amostras fecais de um grupo de Saguinus bicolor e de um grupo de Saimiri sciureus, seguido pelo sequenciamento massivo e caracterização do viroma a nível de famílias de vírus de importância para mamíferos. O grupo de sauins-de-coleira apresentou maior riqueza de famílias virais de importância para mamíferos, apresentando após normalização dos dados um total de 18 famílias, enquanto os micos-de-cheiro apresentaram 16 famílias, com compartilhamento de 12 famílias virais para ambos os grupos. O material fecal mostrou maior riqueza quando comparado aos esfregaços retais. Os viromas dos grupos de primatas estudados mostraram que esses animais podem abrigar uma grande variedade de famílias virais de importância para infecções de mamíferos. Diante disso, é necessário realizar o aprofundamento das pesquisas nessas famílias virais para verificar se os vírus que estão ocorrendo nesses animais são de importância patogênica para a conservação da espécie e para a saúde pública.
|
